Com seu décimo capítulo, encerra-se a primeira temporada da série baseada na obra do mestre do horror cósmico.
Àqueles que não conhecem, em 1890 nasceu Howard Phillips Lovecraft em Rhode Island, Estados Unidos. Mais conhecido como H. P. Lovecraft, o escritor criou um marco ao mesclar elementos de ficção científica e terror. Em suas obras, os monstros veem de outras dimensões, de longe no espaço. A magia é tratada como uma ciência sobre a qual a maioria pouco sabe e por isso é vista por eles como sobrenatural, mas apenas como resultado de cálculos e experimentos pelos que a conhecem.
Ouso dizer que a característica mais marcante em seus textos é a forma como ele cria as ameaças em nossas mentes. Observe:
"A criatura se arrastava sobre o assoalho, serpenteando lentamente sua calda à procura de sua presa. Sua bocarra semelhante a de um tubarão e capaz de engolir um recém nascido de uma vez, estava aberta e salivando em antecipação ao banquete".
"Escondida sob a mesa baixa, a jovem observava a criatura sair de um portal que pairava no ar em um ângulo impossível. A pele lisa refletia uma cor que ninguém na Terra jamais vira. Ainda que estivesse olhando para a forma irregular da criatura, os sons que ela fazia pareciam vir do lado de fora da casa, mesmo o silvar suave a gutural que escapava de suas inúmeras bocas".
Percebe que ainda que a ameaça seja perfeitamente clara no primeiro exemplo, ainda que o monstro pareça assustador quando imaginado, há um sentimento de desconforto, de "algo errado" no segundo exemplo pela simples incapacidade de imaginar com exatidão o que está sendo descrito? E estas são meras linhas de um leigo, Lovecraft possuía realmente um dom de nos amedrontar e fundir nossas cucas ao mesmo tempo.
Meu problema com Lovecraft Country está diretamente ligado a esta característica do autor. Existem vários filmes como À Beira da Loucura, ou o trash Necronomicon, o Livro Proibido dos Mortos e A Cor que Caiu do Espaço, assim como jogos de vídeo game (Call Of Cthulhu de 2018 e The Sinking City de 2019, sendo alguns dos mais recentes). Há uma perda nessas mídias visuais porque o monstro construído na sua cabeça é sempre pior do que o que quer que lhe seja mostrado, sendo estas obras, sempre alvo de críticas neste aspecto.
Se Lovecraft Country, que inclusive trás o nome do autor no título, se propõe a ser inspirado em sua obra, o insinuar, a sombra, a silhueta dos monstros e das ameaças, espera-se que seja o mais comum, entretanto ocorre justamente o contrário. Monstros são mostrados logo nos primeiros episódios sob iluminação suficiente para serem perfeitamente compreendidos, ameaças e inimigos ficam claros logo de cara, não há margem para a sua imaginação trabalhar e tornar os medos maiores, porque já estão ali definidos e delimitados. Deixando claro, a série é muito boa, as atuações excelentes, o que ocorreu foi um enfraquecimento do potencial de suspense e medo que a série podia e devia alcançar.
O que a produção fiz muito bem foi alternar na medida certa entre as ameaças sobrenaturais e as ameaças meramente humanas. Um erro que muitos filmes e séries caem é o de ter apenas os monstros "estranhos" como inimigos, esquecendo o quão assustador é ver que pessoas podem ter atitudes e desejos monstruosos. Saber que o seu vizinho pode ser capaz de atrocidades tremendas é, na maior parte das vezes, mais assombroso que ser comido por um bicho estranho vindo do espaço. Outro ponto importante, e mesmo curioso, está no forte teor racial e de empoderamento feminino. E curioso pelo fato que Lovecraft, dada sua situações social e época, era reconhecidamente bastante racista.
A direção de arte é outro ponto maravilhoso, trazendo uma ambientação fenomenal, nos tranportando com perfeição para os anos cinquentas.
Lovecraft Country é excelente, um grande acerto da HBO, mas se a intenção era tê-la como grande atração como foi Game of Thrones, ou mesmo como foi West World, sinto que foram pelo caminho mais fácil, de assustar pelos monstros horrorosos e perderam a chance de apavorar e incomodar de modo mais profundo.